domingo, agosto 26, 2007

Leilão recordista. O fator McQueen


“A venda do Ferrari Lusso 1963 de Steve McQueen excedeu nossas expectativas mais otimistas, confirmando sua imagem de um dos mais populares ícones de nosso tempo”, assim disse Christopher Sanger, diretor de vendas de veículos, Christie’s America.
Quem foi ao leilão promovido pela inglesa, especializada e secular casa Christie’s em sua filial norte-americana no último final de semana, guardará as imagens e o cenário da hasta com imbatível carga emocional. Tudo combinou. O local, o Monterey Jet Center, aeroporto para jatos executivos na península californiana de Carmel, endereço dos famosos. O programa, integrando as festividades do monumental fim de semana para adeptos do antigomobilismo, o Pebble Beach Concours d’Elegance. E o automóvel, a berlinetta Ferrari Lusso de 1963, azul-marinho, pintura sólida, estofada em couro bege, rodas raiadas Borrani, pouquíssimo rodada, nunca restaurada, há pouco tempo vendida pelos herdeiros a colecionador europeu. Foi um dos automóveis mais apreciados, uso pessoal do ator. McQueen, sempre representando personagens marcantes e independentes, conduzindo veículos em situação de perigo, estrelou Stalag 17; 24 Horas de Le Mans; Crown, o Magnífico – onde era conduzido num Rolls-Royce, e o imbatível Bullitt, de 1967, na maior perseguição automobilística da história do cinema. Estilo pessoal, seu culto nos EUA, é como “o último homem da pradaria”. Em resumo, tanto por ambiência quanto pelo veículo e procedência, não seria uma venda fria e profissional. Não foi. Houve o que pode chamar de Fator McQueen. Oitocentas pessoas presentes armaram uma algaravia digna do mercado de Istambul. Gritos, palmas, apitos, brindes, entusiasmo nunca esperado em tal volume. O resultado foi proporcional. Como em todo leilão norte-americano, exigência legal, o leiloeiro se obriga a fazer previsão dos valores entre os quais a venda ocorrerá. É parâmetro profissional, usualmente balizando o preço final. No caso do Ferrari McQueen, superou a projeção em quase 100%. Numa renhida disputa de lances entre presentes, e oferecidos por telefone, atingiu-se US$2.310,000, uns R$ 4.600.000 - quase o dobro do máximo de US$1.200.000 balizado como máximo pela Christie’s. Ganhou, pelo telefone, comprador que não quis se identificar. O clima de entusiasmo impregnou o ambiente. Dos 92 lotes oferecidos, 66 foram arrematados. E os 18 integrantes da coleção européia – onde estava o Ferrari – todos mudaram de dono por cotações acima da máxima. Parecia, além do valor intrínseco de cada veículo, o fato de ter a mesma origem do esportivo italiano valorizava os demais. O insuspeitado fator McQueen.

Berlinetta Lusso

Em 1963 um Ferrari não tinha a popularidade de hoje. O comendador Enzo insuflava a venda de carros a particulares, e utilizava os mesmos modelos para competir. Fábrica pequena, produção idem. A 250 foi produzida entre 1962 e 1964. Da versão Lusso, de 2+2 lugares, 348 unidades. Ter um Ferrari nos EUA era quase tão complicado quanto manter um Rolls-Royce, ou um Mercedes com injeção mecânica no interior do Piauí – ou, para não ferir as suscetibilidades regionais, em Uganda, ou no Ubiquistão. Possuí-lo não era demonstração de bom gosto, de epicurismo automobilístico, mas quase-desafio ao status quo da cultura de automóveis nos USA. Contrapondo-se ao meio ambiente, os Ferrari não possuíam confortos como direção hidráulica, ar condicionado, câmbio hidráulico. E o motor não era V8 de grande cilindrada, mono carburado, de média rotação, mas pequeno V12, aberto a 60º; 3.000 cm3; taxado a 9,2:1, alimentado por três carburadores duplos Weber, cuja sincronização exigia emoção italiana, acurácia suíça, paciência de monge. Fazia 250 hp a 7.500 rpm. Não era de paternidade desconhecida, mas filho de Gioachino Colombo, um dos gênios seduzidos pelo Comendador. A carroceria era assinada por Nuccio Bertone, moldada manualmente em alumínio. Ser dono de um Ferrari superava o ostentar algo bonito e veloz. Era contestar, com elegância, o padrão da burguesia. (Roberto Nasser/RAPI) Foto: divulgação

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